Sonda europeia que vai estudar hipótese de desvio de um asteroide, para prevenir futuras colisões com a Terra, conta com maior participação de sempre de equipas em Portugal
Faz lembrar o filme Armagedeon, no qual um heroico Bruce Willis lança a sua nave contra um asteroide para lhe desviar o rumo e impedir que colida com a Terra. Ficção, claro. Mas a missão AIDA, na qual ESA e NASA juntam esforços para estudar dois pequenos asteroides e tentar perceber até que ponto é possível desviar a órbita do mais pequeno de ambos – sim, está prometida uma colisão – não é filme, é vida real. E há várias equipas portuguesas a trabalhar para isso.
A parte europeia do projeto, a Asteroid Impact Mission (AIM) já está a rolar há mais de uma ano, e conta com a maior participação de sempre de empresas aeroespaciais portuguesas, que estão envolvidas no desenvolvimento de alguns dos principais instrumentos da sonda. Mas não se fica por aqui a assinatura nacional na missão.
Coordenar a informação
Em Noordwijk, perto de Leiden, Holanda, no centro espacial europeu de investigação e tecnologia (ESTEC), é também um português, Vasco Pesquita, quem está a coordenar toda a informação que ali chega sobre o desenvolvimento da sonda e seus instrumentos, que está ser feito em vários laboratórios e empresas aeroespaciais europeus.
Chegado ao ESTEC em Junho do ano passado, Vasco Pesquita, 26 anos, ficou integrado na equipa que ali faz os estudos preliminares de todas as missões espaciais da ESA. “Calhou-me fazer a análise da missão AIM, e em janeiro deste ano, como precisavam de alguém para coordenar aquela informação, propuseram-me essa tarefa”, conta o jovem investigador. “Aceitei, e não podia estar mais satisfeito”, diz. “Trabalhar na ESA está a ser fantástico”.
Se tudo correr como se espera, a AIM será lançada em outubro de 2020 para se pôr a caminho de Didymos, uma rocha espacial com 800 metros de diâmetro, e da sua pequena lua, a Didymoon, com 160 metros diâmetro.
O objetivo é chegar ao que será o primeiro encontro de sempre de uma nave terrestre com um sistema duplo de asteroides em maio de 2022. Nessa altura, Didymos estará a “apenas” a cerca de 10 milhões de quilómetros da Terra, uma das menores distâncias que de vez em quando ocorrem entre ambos os astros, nas respetivas órbitas. A ideia é aproveitar essa proximidade relativa para encurtar a viagem e os seus custos.
Prevenir futuros impactos
Ou seja, não há tempo a perder. E, por isso, o desenvolvimento da missão já está em marcha, mesmo sem uma aprovação formal, que só será tomada em dezembro, no conselho ministerial da ESA. Mas todos, cientistas, engenheiros e técnicos que há mais de uma ano estão a preparar a missão – “senão seria possível fazer o lançamento em 2020”, diz Tiago Hormigo, um dos portugueses no projeto – esperam luz verde dentro de poucas semanas.
É o caso, justamente, de Tiago Hormigo, engenheiro aeroespacial e um dos fundadores da empresa portuguesa SpinWorks, uma das que está a desenvolver parte do sistema de piloto automático da AIM.
“Estivemos envolvidos na conceção da estratégia de navegação, com o estudo da localização do satélite em relação à Terra, e na análise da atitude da sonda para a comunicação com a Terra”, explica Tiago Hormigo. O trabalho principal da Spinworks, nesta primeira fase, no entanto, teve sobretudo a ver “com a navegação do módulo Mascot 2, que vai a bordo da AIM e que depois de se separar-se dela vai descer na superfície da Didymoon, para fazer o seu estudo detalhado”, sublinha Tiago Hormigo.
Antes da fase final da missão, que será a mais aparatosa e na qual o módulo da NASA vai colidir com a Didymoon para se verificar se o impacto produz alguma alteração na órbita da pequena lua, a AIM terá todo um programa de observações para caracterizar o sistema duplo de astroides e obter um retrato químico, físico e geológico – por dentro e por fora – da Didymoon. Com toda essa informação, antes e depois do impacto, os cientistas esperam conseguir perceber que força seria necessária para desviar um eventual asteroide que no futuro se lançasse numa rota de colisão com a Terra, e adquirir o conhecimento tecnológico essencial para isso.
Novas tecnologias a nascer
Até lá, trabalha-se nos sistemas e nos instrumentos que vão fazer da AIM uma sonda com inovações fundamentais para este tipo de missão, nomeadamente na parte das comunicações.
Além da Spinworks, que está a iniciar o estudo detalhado das exigências para a delicada operação de descida do Mascot 2 na minúscula rocha espacial Didymoon, há mais equipas portuguesas.
Uma delas é um consórcio liderado pela Efacec, que inclui a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Este grupo está a desenvolver um novo instrumento chamado Lidar, uma espécie de radar, mas com laser. “Será um varrimento laser em 3D para medir as distâncias com muito rigor, e Portugal será responsável por construir esse instrumento”, explica o investigador Paulo Gordo que, na FCUL, está a desenvolver a parte ótica do sistema.
Participam ainda a Tekever, que está a trabalhar numa das tecnologias críticas da missão – as telecomunicações entre o satélite-mãe, e os módulos – e ainda a GVM Portugal, que no âmbito do grupo GVM, ficará com os subsistemas de controlo, navegação por visão no espectro infravermelho, e na dinâmica de voo na proximidade do asteroide. Agora só falta a luz verde.